Acostumado a viagens para fora do país, o professor Edson Dummer sempre volta com lições aprendidas e histórias para contar. Uma das mais recentes, porém, vai ficar para a vida toda. “O judô é uma grande família”, ensina ele, depois de vivenciar o dia a dia de judocas no Zimbábue.
No país localizado no Sul da África, em que boa parte dos seus 12 milhões de habitantes vive em situação de miséria, o professor gaúcho aproveitou a estadia provisória por motivo profissional e ajudou a difundir o judô na capital Harare, numa realidade completamente diferente da do Rio Grande do Sul.
“Os atletas têm dificuldades maiores para poder treinar e se desenvolver no judô. Eles trabalham pesado durante todo o dia e treinam à noite. Após sair do tatame, precisam andar a pé grandes distâncias até conseguir um transporte para chegar perto de casa e finalizar o trajeto novamente a pé. Nas ruas das vilas não existe iluminação e em muitas casas não tem luz nem água”, relata.
Apesar das dificuldades, o professor Dummer, que dá aulas em uma academia de Santa Cruz do Sul, colaborou com outros quatro senseis em prol do judô. Por lá, graças a parcerias internacionais, a modalidade desponta como uma esperança aos atletas locais.
“O judô aqui em Harare recebe ajuda de países como França, Inglaterra e mais recentemente da Coreia. A ajuda existe em virtude do relacionamento e ligação dos professores com estes países”, explica. “Os tatames são todos usados, mas de alta qualidade e foram doados pela Federação Francesa de Judô.”
Em meio à viagem, o professor Dummer respondeu a algumas perguntas. Confira a entrevista.
Como o senhor chegou ao Zimbábue?
Fui parar no Zimbábue porque a empresa em que trabalho tem operações em 12 países e anualmente acabo passando em seis destes países contando com o Brasil. Sou responsável pela área de Tecnologia das Informações do grupo e anualmente visito as unidades para levar melhorias e implantar novos processos de TI. Além do Zimbábue, passei por Malawi e Tanzânia (na África), Tailândia (Ásia), Dubai (Emirados Árabes) e Brasil. As realidades são muito variadas. Na Tanzânia, por exemplo, implantei um escritório da empresa em uma vila que não tem luz nem água encanada. Foi colocado um motor para gerar energia e uma antena de satélite para ter internet. Mas também precisou de um cercado ao redor da antena, porque durante a noite os elefantes selvagens poderiam querer se coçar na antena e iriam destruir tudo. Isto é Africa!
Como foi a rotina no Zimbábue?
A receita para se estar na África é conhecer os costumes e tentar se adaptar para viver dentro da realidade do local. Se eu quiser ter ou fazer o que normalmente faço no Brasil vai ser muito complicado (para não dizer inviável) de conseguir fazer o meu trabalho.
Além de ministrar as aulas, o senhor compartilhou o tatame com professores de outros países?
Isto foi uma experiência que vou levar para sempre e que pretendo repetir novamente. No tatame, em uma mesmo noite de aula, havia quatro nacionalidades diferentes: uma francesa, um inglês, um coreano e um brasileiro. Dois destes professores são kodanshas. Os responsáveis pelo dojô são o casal Patricia Warren e Brian Warren e o local é uma academia de ginástica de propriedade da filha, Debbie Warren Jeans, que, assim como a mãe, é arbitra internacional FIJ, com experiências em Copas do Mundo e Grand Slam.
Foi possível aprender outras técnicas neste intercâmbio?
Não aprendi novas técnicas, mas aprendi formas e variações diferentes para as já conhecidas. O sensei Lee, por exemplo, dá muita ênfase na pegada e treina bastante isto. A sensei Patricia gosta de treinar técnicas de Shime e Kansetsu quando a luta vai para o solo.
O que o senhor traz de mais positivo desta experiência? Se possível, repetiria e até aconselharia?
Vou começar pela sua pergunta final: sim, repetiria e vou sempre repetir enquanto eu tiver a oportunidade. Aconselho a todos os judocas quando viajarem que levem junto o seu quimono, porque, mais do que nunca, o judô é uma família e sem sombra de dúvida é uma família de proporções mundiais.
Vou lhe dar um exemplo do que é o judô: cheguei na academia para participar do treino e estava com meu quimono na mochila. Fui até a beira da área e fiquei parado olhando. O pessoal estava iniciando o treino e alguns olharam para mim, mas seguiram o que estavam fazendo. Depois de alguns minutos resolvi ir ao vestiário trocar de roupa e colocar o quimono. Quando voltei para o mesmo local que estava antes e parei para entrar na área não demorou 5 segundos para a sensei Patricia dar mate e parar o treino. Vieram todos se apresentar e me dar as boas vindas, sem que eu nunca tivesse falado com ninguém. Isto é judô e esta é a família do judô. Está é a mensagem que levo comigo e mais do que nunca vejo que o judô é sinônimo de respeito e amizade entre todos que praticam independentes do lugar que estamos.
Quando se veste um quimono e colocamos nossas faixas estamos representando uma forma de conhecimento de vida, de respeito, de caráter, de educação, de humildade e cabe a cada um de nós judocas honrar com estas responsabilidades dentro e fora do tatame.
O senhor comentou a vontade de estreitar laços dos atletas africanos com o RS, trazendo-os para competir pela FGJ. Esta ideia já está sendo viabilizada?
O primeiro passo precisa ser dados pela Sensei Debbie, que tem a tarefa de levantar recursos. Caso as passagens sejam patrocinadas, podemos nos habilitar a receber os judocas do Zimbábue para um período de treinos e a participação em alguma de nossas competições no RS. Confirmando a vinda deles teríamos que conseguir alojamento e alimentação durante o tempo de estadia aqui no Brasil.
3 respostas
Linda história. Isto demonstra que o judô pode superar as barreiras impostas pelos diferentes tipos de linguagem. Quatro Senseis de nacionalidades diferentes e todos na mesma sintonia… Judô é isto… Parabéns Sensei Edson.
Muito legal a tua experiencia Edson. Tu disseste tudo : ” Quando se veste um kimono e colocamos nossas faixas…”
Nobre Sensei, aqui em Passo Fundo estamos percebendo nas ruas uma chegada significativa de Africanos tentando moradia e nova vida no Brasil. não sei se algum deles praticou judô, mas sempre pensei em tentar vislumbrar um projeto que pudessemos incluir estes imigrantes.
Eles saem as ruas para venderem seu artesanato e eu fico me perguntando, esse pessoal pratica algum esporte?
É sempre importtante interagir através do judô. Parabéns