Um dos técnicos mais vencedores da história do judô gaúcho e brasileiro, Antônio Carlos Pereira, o Kiko, carrega a partir de agora uma nova responsabilidade. É nele que são depositadas as esperanças de milhões de torcedores da modalidade, que apostam na experiência e no currículo dele agora à frente da Seleção Brasileira masculina.
A apresentação foi há menos de dez dias e, dentro de um mês, já ocorre a primeira competição desta nova fase. Sem projetar medalhas ou resultados, Kiko, histórico treinador da Sogipa, diz que tem como meta levar atletas o mais bem preparados física, técnica e mentalmente aos Jogos de Paris, em 2024, isso em um contexto de disputa onde o judô é cada vez mais globalizado e, com isso, com mais adversários de ponta. “Nosso desafio é bastante grande, gigante”, afirmou.
Nesta entrevista, ele revela os bastidores do convite – que o fez abdicar do cargo de secretário municipal do Esporte em Porto Alegre –, seus objetivos na nova função e o legado que espera deixar:
Como surgiu essa possibilidade de tornar-se técnico da Seleção Brasileira? E como estão sendo esses primeiros dias de trabalho?
Eu estava trabalhando normalmente na semana passada quando de repente recebo um telefonema do professor Ney Wilson, que fez esse convite. Fiquei um pouco surpreso e prometi a resposta para o outro dia após uma noite bem dormida. Fui para casa, recebi o apoio integral da família e tive uma conversa rápida com o prefeito Sebastião Melo, e ele acabou me liberando da minha função de secretário. Usei com ele o seguinte argumento: me preparei 35 anos como treinador para ter essa oportunidade, e eu não me preparei ou ambicionei nenhum dia a minha função de secretário. Coloquei esses pontos na balança e o próprio prefeito aconselhou a aceitar o convite.
O senhor já treinou atletas que foram campeões mundiais e que conquistaram medalhas olímpicas, agora, com esse convite, chegou a hora do seu auge?
O que me credencia e legitima a ter esse cargo é minha história como treinador. Fui um atleta razoável, mas modéstia à parte tenho muita obra, campeões mundiais, medalhistas olímpicos… Nos últimos 11 anos conquistamos 11 medalhas em Mundial adulto, seis medalhas olímpicas, 10 em Mundiais júnior, 12 em Jogos Pan-Americanos. É isso que me legitima. Com certeza estou chegando à seleção no meu auge.
Em que patamar o judô brasileiro se encontra hoje em nível mundial? O que precisaria melhor e onde é possível chegar?
O patamar do judô brasileiro sempre é alto. O problema é que às vezes pegamos algumas situações, o que é normal. O judô brasileiro sempre teve de um a três entre os melhores do mundo. Mas nosso desafio é bastante grande, gigante. Vimos que também o judô mundial está crescendo muito. Surgem potências com valores a todo instante. O judô globalizou. Há 30 anos, nós sabíamos quem eram os favoritos em cada categoria. Hoje, no masculino, é de 10 a 20 atletas favoritos a medalha naquele dia. Então esses são os desafios. É um desafio muito grande, nossa equipe também passa por uma renovação. Temos que dar tempo e oportunidade a novos valores. São todos grandes desafios.
Já existe uma principal meta para este primeiro ano na Seleção? E para o ciclo olímpico?
É muito cedo para estabelecer uma meta de quantas medalhas vamos conquistar no Mundial e nos Jogos Pan-Americanos. Minha meta é, sim, preparar os atletas para que eles cheguem bem aos Jogos Olímpicos. Cheguem com espírito de vencedor, com a confiança em alta. É esse, o nosso objetivo. Queremos que o atleta chegue com sua autoestima elevada para que, juntando sua boa preparação, ele consiga um bom desempenho.
O que vai mudar na sua rotina de treinamentos entre clube e Seleção?
Quando eu estiver no exterior estarei com alguns atletas da Sogipa. Quando estiver em Porto Alegre, estou treinando os atletas no Brasil. É um mix de ganha-ganha. Estarei com os atletas da Seleção Brasileira, que são da Sogipa, trabalhando em Porto Alegre. E com esses atletas que não são da Sogipa trabalhando no exterior. Não muda nada.
O judô gaúcho já tem diversos ícones e ídolos. Agora ter um treinador daqui no comando da Seleção, é um fato que pode motivar ainda mais os jovens da base?
Acho que sim. Não só os praticantes de judô daqui, mas do Brasil inteiro. Eu represento aquele treinador que saiu de baixo, da formação de atletas, visto a participação que tenho na formação de João Derly e Mayra Aguiar. Eu represento aquele professor que passou por todas as etapas e todos os níveis, judô de educação, de formação, de rendimento e de alto rendimento. Represento todos aqueles treinadores que começaram de baixo. Por si só acho que estimulo eles a trabalhar sério, com resiliência, obstinação e se conseguir trabalhar todos esses aspectos pode um dia ser treinador principal do Brasil na sua modalidade. É o estímulo e o legado que fica.